terça-feira, 23 de agosto de 2011

O AMOR ROMÂNTICO

Hoje na aula, no debate sobre o filme de animação Enrolados,  discutimos o amor romântico como constructo de uma classe social - a burguesa - e que o seu veículo massificador - o romance - seria responsável pela disseminação da ideologia no ocidente. O mito do amor romântico, isto é, da narrativa focada na realização amorosa dos amantes, tinha como um dos mitologemas a diferença e assimetria de gênero condição sine qua non para os amantes, paradoxalmente, alcançar a unidade, a fusão. Obviamente que essa fusão tinha uma inscrição ideológica, na medida em que o "desaparecimento gradativo de uma imagem, simultâneo com o aparecimento de outra" (Houaiss, 2009) deixava a questão: que imagem desapareceria e qual aparecia no lugar? 

O amor, da forma que conhecemos, é um legado de duzentos anos, muito embora a sua raiz esteja antes mesmo disso, como afirma R. Howard Bloch, em seu livro Misoginia Medieval e a Invenção do Amor Romântico Ocidental (editora 34). Citando São Tomás de Aquino, Aristóteles, Fenelon e outros, o autor traça o caminho do amor romântico até ser modernizado pelos romances, pelos folhetins repletos de mulheres altruístas, lacrimosas, despossuídas de qualquer individualidade e baluartes de uma moral inabalável (as que se opunham a isso eram condenadas à marginalidade). Os homens serão representados como detentores de uma energia vigorosa, prontos para prover e disputar a mulher cobiçada como troféu a ser exibido para a sociedade. Contudo, esse sentido é escamoteado pelo discurso do amor, este, sim, mostrado como a única razão pela qual os amantes correm riscos, se expõem. A união dos amantes é muito mais a representação da vitória de um discurso de uma classe. Não há nada mais burguês do que o amor romântico.

Isso não quer dizer que o amor não exista, mas significa dizer que o que se sente é uma construção gerada pelas ideias e valores de uma classe, um discurso veiculado pelas linguagens. A música, o filme, o romance, a peça publicitária, as telenovelas respiram o amor romântico. Como não ser o seu porta-voz, já que na "torre" de onde saímos não tivemos contato com outras formas de lidarmos com o Outro? Pensemos em outras maneiras de união conjugal que não movida pelo "amor". Como nós a vemos? Observe que se uma mulher se une por outras razões que não pelo amor e vice-versa, os membros da sociedade confere a essa união uma negatividade porque não movida pelo gesto nobre, mas quem diz isso de fato? A que memória discursiva estamos evocando? Será que a relação pautada no amor não é movida por interesses e que o amor é lembrado para escamotear essa razão?

Para ampliar a leitura, sugiro além do livro mencionado acima, outros títulos como A Arte de Amar, de Ovídio, e Do Amor, de Stendhal.

Um comentário:

  1. "a única verdade é que vivo.
    Sinceramente, eu vivo.
    Quem sou?
    Bem, isso já é demais...."
    Clarice Lispector

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