quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Passar dali pra acolá

Os versos da poesia de Gil, quanto a tonicidade, são construídos alternando o tom agudo do grave. Nas rimas emparelhadas, como ocorre na primeira estrofe da letra da música, de estrutura aabb, as rimas aa são femininas (terminam em palavra paroxítonas ou graves) enquanto a bb são masculinas (terminam em palavras oxítonas ou agudas). Assim, as escolhas sobre a tonicidade não foram aleatórias, considerando que o instante captado pelo olhar sugere a relação entre um eu-masculino que capta um objeto-feminino. Dentro das convenções de gênero, um homem olha uma mulher ou, pelo menos, um acessório que ela usa.
Ainda em relação a tonicidade, vale ressaltar a ausência de rimas esdrúxulas, isto é, formada por terminações proparoxítonas.
Quanto a sonoridade, os quatro primeiros versos são considerados perfeitos porque a sonoridade das palavras são semelhantes (janela/dela-chão/vão). As rimas imperfeitas não aparecem na letra porque exigiria uma composição de rimas com sons diferentes, embora com alguma semelhança. Ex.: seu/céu
A sonoridade perfeita dos versos contribuem para uma maior apreensão do texto, da sua internalização. Esta simplicidade não contrasta com o seu conteúdo, já que o seu conteúdo mostra a simplicidade, a espontaneidade, de uma cena cotidiana, mas ao mesmo, paradoxalmente, de possibilidades complexas de interpretação. A singeleza do poema e do instante são marcados também pela circularidade melódica da música, o que reforça a ideia de uma música feita para agradar de imediato o ouvinte.
Já quanto ao valor, o poema do músico baiano mostra variedades, alternando entre as  rimas ricas e pobres. Não há ocorrência de rimas raras ou preciosas, isto é, “quando a rima acontece entre palavras de difícil combinação melódica” e quando as “rimas [ocorrem] entre verbos na forma verbo-pronome com outras palavras”, respectivamente. Em relação às rimas pobres, podemos perceber que elas ocorrem no uso dos pares abrigo/perigo (são ambos substantivos). Já apresentam rimas ricas quando usam os pares lugar/acolá. O uso das rimas ricas e pobres de forma alternada mostra a versatilidade do poeta e, quiçá, para além da denotação, a consciência de uma realidade social pautada na complexidade de valores,  já que coloca em uma mesma realidade textual agrupamentos distintos, de valores distintos.
Percebemos que as rimas, responsáveis pela sonoridade do poema, são mediadoras entre o texto e o leitor, já que é através desse recurso que se pretende provocar um efeito de prazer durante a leitura. Segundo Maurício Silva, em seu artigo Poesia infantil contemporânea: dimensão lingüística e imaginário infantil:

Embora o texto de Gil não seja voltado para a criança, podemos, no entanto, intuir que a facilitação no plano estrutural, ou melhor dizendo, a mediação no plano da estrutura, contribui para a fluência, a passagem para o nível mais abstrato, já que o poema é marcado por referências simbólicas, sugestivas, que aguça a imaginação do ouvinte-leitor tal qual a experiência do eu-lírico. O olhar de um eu diante da janela da imaginação que capta o delimitado, restrito espaço entre a sola e o salto e o transforma em um universo, amplo, sem fronteiras, onde somente a imaginação pode alcançar. Um salto para a uma experiência sensorial, sinestésica, a partir de olhar contemplativo, imaginativo, que se lança prazerosamente ao seu objeto contemplado, a meu ver, já deformado de sua apreensão original, se é que houve em algum momento.
A par dos efeitos sonoros causados pela aliteração recorrente, o que sugere uma musicalidade intrínseca ao poema, do ponto de vista estrutural percebe-se um trabalho voltado para o universo lúdico da criança, já que os versos são todos rimados, em geral com rimas emparelhadas, escritos em redondilhas maiores, mais apropriadas à musicalidade e à memorização. Tudo isso mantém a unidade do poema, até visualmente sugerida.

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